Acórdão: Apelação Cível n. 2006.002080-4, de Chapecó.
Relator: Des. Luiz Cézar Medeiros.
Data da decisão: 15.05.2007.
Publicação: DJSC Eletrônico n. 221, edição de 08.06.2007, p. 184.
EMENTA: CIVIL - AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE - IMÓVEL OCUPADO CLANDESTINAMENTE - ESBULHO CARACTERIZADO
1. Possuidor não é somente aquele que efetivamente ocupa o imóvel, mas também quem, mesmo não o ocupando, pode dele dispor e pratica atos exteriores inerentes a esta disposição.
2. Comprovada a posse exercida pelo autor, bem como o esbulho cometido pela parte requerida, que clandestinamente ocupou o imóvel sob questão, deve a ação possessória ser julgada procedente.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2006.002080-4, da Comarca de Chapecó, em que é apelante Maria Lindonês Ribeiro da Silva e apelado o Município de Chapecó:
ACORDAM, em Terceira Câmara de Direito Público, por votação unânime, negar provimento ao recurso.
Custas na forma da lei.
I -RELATÓRIO:
Trata-se de ação de reintegração de posse, com pedido de liminar, ajuizada pelo Município de Chapecó contra Maria Lindonês Ribeiro da Silva, requerendo a reintegração na posse do imóvel situado na Rua A, n. 437 D, Bairro Bom Pastor, sob a alegação de que é legítimo proprietário do lote urbano fazendo este parte do projeto de Habitação Popular.
Sustentou que o referido lote inicialmente foi destinado à família do Senhor Aleovaldo de Almeida e Senhora Marisa da Silva, porém a família mudou-se para outro bairro, vendendo o imóvel para a ré sem o conhecimento do Município.
Alegou que a ocupação do imóvel deu-se de forma clandestina e de má-fé, pois a ré sabia que se tratava de negócio irregular, tendo, inclusive, sido notificada para desocupar a área em 6.06.2002.
Aduziu, por fim, que até o presente momento não ocorreu a desocupação do bem invadido e, segundo o Departamento de Habilitação da Prefeitura Municipal, existem cerca de sete mil famílias aguardando para serem beneficiadas com a casa própria.
A liminar restou indeferida por intermédio do despacho de fls. 10-12.
Ao sentenciar o feito, o Meritíssimo Juiz julgou procedente o pedido inicial, consignando na parte dispositiva do decisum:
"Ante o exposto, com fundamento no artigo 269, inciso I, do Código de Processo Civil, JULGO PROCEDENTE o pedido formulado na inicial, determinando à requerida a reintegração da posse ao autor, no prazo de trinta dias.
"Decorrido o prazo, expeça-se mandado de reintegração.
"Condeno a requerida ao pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios, estes que fixo em R$ 600,00 (seiscentos reais), nos termos do § 4º do art. 20 do Código de Processo Civil, obrigação que fica suspensa por ser a requerida beneficiária da Assistência Judiciária Gratuita.
"Ao Assistente Judiciário da autora, fixo a verba honorária em 7,5 (sete e meia) URHs.
"Transitada em julgado, arquive-se" (fls. 60-63).
Inconformada com o teor do decisório, a autora interpôs o presente recurso. Sustentou, inicialmente, a ilegitimidade ativa do Município, visto que não restou comprovada a posse e sequer a propriedade sobre o imóvel em questão.
Alegou que não houve regulamentação do loteamento em questão por não estar devidamente registrado no Cartório de Registro de Imóveis.
O Município de Chapecó apresentou contra-razões às fls. 74-77.
II -VOTO:
Trata-se de ação de reintegração de posse ajuizada pelo Município de Chapecó contra Maria Lindonês Ribeiro da Silva, requerendo a reintegração na posse do imóvel ocupado de maneira irregular pela ré, sob a alegação de que é legítimo proprietário do lote urbano fazendo este parte do projeto de Habitação Popular.
Extrai-se dos autos que o Município de Chapecó realmente é o legítimo proprietário do imóvel registrado no CRI sob a matrícula n. 59.989, lote urbano n. 04, quadra 4098, com 260 m² (duzentos e sessenta metros quadrados), conforme documento de fls. 23/25.
Afasta-se, pois, a preliminar de ilegitimidade passiva do Município.
A efetiva comprovação da propriedade do autor, somada à clandestinidade da ocupação do lote e à resistência da ré em desocupá-lo configura, sem dúvidas, a ocorrência de esbulho.
Dessa forma, a ré não poderia ser beneficiada pelo Fundo Municipal de Habitação, pois ocupou irregularmente o imóvel público, passando na frente de inúmeras famílias que aguardam há mais de cinco anos uma oportunidade de moradia.
O ilustre Magistrado, Doutor Rogério Carlos Demarchi, com os seus elucidativos, precisos e judiciosos argumentos exauriu a matéria e deu o correto equacionamento à lide, razão pela qual, como substrato de meu convencimento, adoto também a fundamentação consignada por Sua Excelência:
"Confere a lei ao possuidor esbulhado, o direito de restituição do imóvel quando o detentor o possua injustamente. São requisitos do interdito recuperandae a existência da posse e seu titular, e o esbulho cometido pelo réu, privando o autor, arbitrariamente, da coisa ou do direito, através de violência, clandestinidade ou precariedade.
"A existência da posse, por parte do Município, está comprovada no poder a ele conferido de disposição do imóvel questionado, cabendo ao Município a escolha, segundo alguns critérios já definidos, do possível ocupante do imóvel.
"O poder de disposição é, segundo o disposto no artigo 1.228 do Código Civil, um dos poderes inerentes à propriedade.
"Portanto, tem-se como possuidor não somente aquele que efetivamente ocupa o imóvel, mas também aquele que, não o ocupando, pode dele dispor.
"Nesse sentido, colhe-se do voto do eminente Juiz de 2.º grau, Sérgio Izidoro Heil, Relator na Apelação Cível n. 2004.033310-7:
"'Assim, para que alguém seja considerado possuidor de determinado bem, não é necessário que exerça a posse direta sobre ele, sendo completamente aceitável que pratique somente alguns dos poderes inerentes ao domínio, ou seja, ainda que o apelado não tivesse edificado sua residência em toda a extensão do lote, este exercia sua posse sobre toda a área na medida em que esta foi cercada e todos os vizinhos reconheceram o seu direito possessório' (j. em 22.04.2005).
"O esbulho está evidente, porquanto a requerida, segundo os depoimentos testemunhais, ingressou no imóvel de forma clandestina e preterindo o direito de outras famílias cadastradas para a ocupação do imóvel sob litígio.
"No escólio de Sílvio Rodrigues, posse clandestina 'é a que se constitui às escondidas. Caracteriza-se quando alguém ocupa coisa de outro, sem que ninguém perceba, tomando cautela para não ser visto, ocultando seu comportamento' (Direito Civil - Direito das Coisas - v. V - 28.ª ed. - ed. Saraiva - São Paulo: 2003 - p. 28).
"Destarte, estando sobejamente comprovados a posse exercida pelo autor, bem como o esbulho possessório cometido pela parte requerida, a qual, clandestinamente ocupou o imóvel sob questão, deve a ação ser julgada procedente".
Assim, comprovada a posse exercida pelo autor, bem como o esbulho possessório cometido pela parte requerida, que clandestinamente ocupou o imóvel sob questão, deve a ação ser julgada procedente.
Ante todo o exposto, nego provimento ao recurso e confirmo a sentença na integralidade.
III -DECISÃO:
Nos termos do voto do relator, por votação unânime, negaram provimento ao recurso. Participaram do julgamento os Excelentíssimos Senhores Desembargadores Rui Fortes e Cesar Abreu.
Florianópolis, 15 de maio de 2007.
Luiz Cézar Medeiros
PRESIDENTE E RELATOR
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